sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Aí do lado, se você prestar a atenção, vai ver que esse blog é para postar um pouco de tudo que me passa pela cabeça, sem muitas regras. Então, acho que posso publicar uma imagem, certo? Fui eu mesma que fiz um logo para o meu cunhado. Bonitinho, não é?


sábado, 25 de agosto de 2012

Versos íntimos

Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

Augusto do Anjos (http://www.releituras.com/aanjos_versos.asp)

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Jorge Luis Borges e as ninfas

‎"Sempre imaginei que o paraíso fosse uma espécie de biblioteca."
Jorge Luis Borges


Quando criança, eu sempre sonhava esse mesmo sonho: sonhava que ia à uma Biblioteca incrível, todinha coberta de livros, e com carpetes e cortinas em veludo vermelho. Poltronas e pufes de veludo colorido se espalhavam pelo lugar, para que eu pudesse confortavelmente me espalhar sobre eles com o livro da ocasião. Era uma biblioteca mágica, mas não obviamente mágica – provavelmente eu chamava de "mágica" na época porque ainda não conhecia as palavras "onírica" e "surreal". Mas era mágica até mesmo para o lirismo dos sonhos.

Para chegar, não havia mapa ou ponto de referência – provavelmente, quanto menos direção ou sentido houvesse, mais próximo se estava do lugar. E não havia exclusividade, como se a Biblioteca fosse secreta, ou como se estivesse reservada só para mim; em vez disso, eu sabia que outros podiam alcançá-la quando quisessem, sem esbarrar com o porteiro kafkiano ou girar uma chave como a do jardim secreto.

Quando e como eu entrava lá, no entanto, permanecia um mistério. Em um momento deitava a cabeça no travesseiro e, em poucos minutos já havia tomado uma estrada de tijolinhos amarelos, para a beira de um mar com ondas roxas e verdes, que não era mar, mas o céu sobre um cemitério sinistro, de onde se via uma loja de pranchas de surf com enfeites de natal, e ao lado o meu colégio, onde eu conversava com pessoas sem rostos e tomava um grande zero em Ciências. Com certeza minha mãe sem rosto ia ficar brava quando visse aquela nota, então eu pulava uma janela em vez de atravessar uma floresta, corria pra me esconder de um buldogue manso e... Lá estava eu na Biblioteca.

Ah, que prazer, que felicidade, que paz reinava lá. Sem mares, cemitérios, zeros, buldogues. Sem qualquer lembrança do mundo exterior. Só a Biblioteca e eu. Havia outras pessoas que chegavam comigo ou que já estavam lá. Pessoas sem rosto lendo livros de capas lisas, muito quietas e compenetradas. Podia-se passear por todo o lugar e tirar os livros para ler, e não havia uma bibliotecária para pedir silêncio ou arrumar a bagunça: cada um era um pouco Bibliotecário.

Eu passava por portas de correr que se abriam e fechavam sozinhas. Depois que se fechavam atrás de mim muitas delas sumiam, enquanto outras continuavam lá, mas não levavam mais à sala anterior. Cada vez que eu passava por uma porta, uma nova sala se criava, com novos livros, novos leitores e novas ideias. Era um labirinto gostoso para se perder.

Se eu finalmente escolhesse um livro e me sentasse para ler, então, por um momento, tudo se acalmaria ao meu redor. Aos poucos, bem fraquinha no começo, apareceria uma linha à minha frente, que aumentava ao poucos e, quando eu visse, estava caminhando uma estrada de tijolinhos amarelos para dentro de outra história, e a Biblioteca ficava para trás. Eu não me importava, pois sabia que a biblioteca estava logo ali e que, quando eu quisesse, poderia voltar.

Até que um dia, eu não consegui voltar pra lá. Nem no dia seguinte, nem no outro, nem no outro ainda. Por mais que eu me perdesse, por menos sentido que eu fizesse, por mais maluquices que acontecessem, a Biblioteca não estava mais lá pra mim.

No começo, sentia falta, buscava aquele lugar mais que tudo. Punha a cabeça no travesseiro e repetia "n" vezes, até adormecer: "quero ir pra Biblioteca, quero ir pra Biblioteca, quero ir pra Biblioteca, quero ... pra Biblioteca ...biblio...". E puf: estrada de tijolinhos amarelos, golfinhos dançando break, meu grupo de teatro provando figurinos, o Jason e o Fred lutando com sabres de luz no meio de uma guerra zumbi no centro da cidade, pessoas sem rosto tomando sorvete, o menino mais lindo da escola me olhando em meio a tudo isso, uma torneira de água que não parava de pingar... Paf: acordava e ia para o banheiro arrumar o cabelo e sair pra escola. 

Porque nada na vida é como a gente quer (e, se fosse tudo como a gente quer, nada na vida tinha graça), eu não conseguia sonhar com a Biblioteca. Tentava me lembrar de lá e tinha mesmo uma boa ideia de como era, mas voltar mesmo não dava pé. Então tentei psicologia reversa comigo mesma e decidi esquecer a Biblioteca pra conseguir lembrar dela em sonho. Lembro de ter pensado: "Esquecer pra conseguir lembrar: isso não faz muito sentido... Então deve dar certo."

No mesma noite pus a ideia em prática e a cabeça no travesseiro, e nem pensei na Biblioteca. Mal lembrava que ela existia. Puf, paf, nadica de nada de Biblioteca. Como não surtiu efeito logo de cara, resolvi repetir a dose de esquecimento, pra ficar bem esquecido mesmo, aí sim eu conseguiria me lembrar. Mas não tinha jeito: nada de Biblioteca, por semanas, meses... Por anos.

***

A vida vai acontecendo com a gente, e tem coisa que a gente nem volta atrás pra reviver. Umas são coisas tristes ou chatas, e a gente evita ao máximo que apareçam de novo, por que, quando vêm, é só pra aborrecer. Ainda assim as coisas tristes e chatas vivem pulando de dentro de caixas coloridas e rindo na nossa cara.

Mas também há as coisas bonitas, gostosas e leves, umas ninfas que pairam sobre as nossas cabeças e, de vez em quando descem pra assoprar nosso nariz, fazer cosquinha ou desejar bom-dia. Hoje eu bati o olho correndo numa citação do Jorge Luis Borges, e num instante bem curtinho mas muito eterno, uma ninfa desceu correndo para fazer cócegas e sussurrar no meu ouvido:
– Lembra da Biblioteca?


segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Greve

arte longa vida breve
escravo se não escreve
escreve só não descreve 
grita grifa grafa grava
uma única palavra
greve

(Augusto de Campos, 1962)

http://www2.uol.com.br/augustodecampos/greve.html

sábado, 18 de agosto de 2012

O que revisar quando se está revisando?

Muitos revisores são, na verdade, profissionais do texto: além de revisar, também redigem, preparam, copidescam, editam, traduzem, dão consultoria literária, padronizam segundo a ABNT, transcrevem, digitam e passam cafezinho.

São atividades diferentes, que têm níveis menos ou mais profundos de interferência no texto, que exigem menos ou mais prazo, e que, muitas vezes, exigem muito jogo de cintura. Talvez até por essa polivalência é que os empregadores esperam tanto de seus profissionais do texto. Normalmente espera-se e cobra-se do revisor que não deixe passar nenhum erro, não altere demais o texto fornecido pelo autor/cliente, verifique os problemas de diagramação e padronização, e ainda corrija problemas autorais, tudo isso num curto espaço de tempo. E ainda evita-se mencionar os salários baixos, as contratações por "QI" e a falta de qualificação profissional. (Jornalistas, literatos, linguistas, editores e outros, independentemente da formação que têm, podem trabalhar como profissionais do texto... Podem, Arnaldo?)

Mas o que mais me incomoda é ter que passar o cafezinho: aí já é trabalho demais, né?!

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

42

Depois de uma longa vida de buscas, um dia, de repente, encontrou a verdade e atingiu a plenitude. A partir daí, passou a viver sempre o presente, pois não precisava mais se inquietar com as buscas de sentido da vida.

Não recordava o passado e não imaginava o futuro. Acordava e não pensava sobre ontem: uma existência livre de culpas. Ao deitar-se, não pensava sobre amanhã: existia também livre de responsabilidades.

Diziam que havia atingido a plenitude porque um dia encontrou a verdade. Se isso era verdade, não saberia dizer, pois não se lembrava: preocupava-se apenas com o imediato, com o aqui e agora. Não construiu casa, família, carreira, reputação, pois não precisava de nenhum destes artifícios para encontrar a felicidade: já a tinha consigo.

Ávidos pelo conhecimento absoluto, sempre lhe perguntavam sobre a verdade, o que era, onde e como poderia ser encontrada. Nunca obtiveram resposta completa e objetiva.


***

Encontraram o corpo em estado de putrefação avançada e uma nota ao lado: "era mentira".

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Soja ou carne?

Vegetarianos têm uma ótima ideologia contra a industrialização e o sistema capitalista. Concordo também com os argumentos sobre crueldade com os animais, e com àqueles argumentos que se referem a uma melhor distribuição dos alimentos. A produção de carne é realmente um problema.

Mas a agricultura também é um grande problema: a produção de soja, arroz, milho e outros grãos, que são a base da alimentação vegetariana, destrói o solo e polui as águas, além de ser carregada de exploração do trabalhador rural e políticas de lobby que geram uma péssima distribuição de alimento e de renda. Além do mais, há aplicação de agrotóxicos (e testes com animais para verificar toxicidade destes produtos), a expansão da fronteira agrícola (que devasta áreas de preservação ambiental), as questões éticas de manipulação genética (patentes de transgênicos valem milhões de dólares e as grandes empresas não contam o que realmente há naqueles produtos), entre outras coisas.


O grande vilão não é a carne em si, mas a indústria alimentícia de maneira geral. Um hambúrguer de soja é tão criminoso quanto um hambúrguer de carne.


Isso para não entrar na questão médica: muitos defendem que a agricultura surgiu a apenas alguns milhares de anos, quando a espécie humana já estava num momento de sua evolução bastante próximo do atual. Isso significa que o corpo humano adaptou-se, ao longo de milhões de anos, para comer alimentos bastante diversos do que comemos hoje: principalmente carne de caça e vegetais coletados, não plantados. O corpo humano não é adaptado ao consumo de grãos (trigo, milho, arroz, soja), mas sim ao consumo massivo de gorduras e proteínas de origem animal, combinadas a vegetais. Aliás, alguns pesquisadores defendem que o consumo de grãos é a principal causa de diabetes, doenças cardíacas e alguns tipos de câncer.


De um ponto de vista mais superficial, a posição política dos vegetarianos é muito louvável. Poderia-se dizer que vegetarianos estão, na verdade, fazendo uma espécie de greve de fome para protestar contra a indústria alimentícia que maltrata e explora os animais. Mas essa é uma posição um tanto ingênua, se o assunto for visto de outro ponto: a mesma indústria alimentícia também maltrata e explora os recursos naturais e, mais importante, os próprios seres humanos.


Ideal seria nos desvincularmos completamente desse tipo de alimentação empacotado e vendido nos supermercados, e voltarmos aos velhos hábitos de alimentação: para tomar café da manhã, ordenhávamos a vaca; para almoçar, caçávamos uma galinha.