terça-feira, 9 de outubro de 2012

Antes acompanhada do que só

Um paulistano (ou paulistana) normalmente é pessoa solitária, diz o senso comum. É a identidade do paulistano: não precisa ter nascido aqui para ser paulistano, basta morar aqui e ser um tanto ou um muito solitário para ser dessa cidade.

Muitos são extremamente solitários: filhos únicos de mães solteiras, orfãos, solteiros e sem filhos que moram em quartos individuais alugados. Muitos nem os quartos individuais alugados têm, e muitos têm famílias lindas nos porta-retratos de apartamentos em que cada um vive em seu próprio quarto. Há até alguns desses ermitões urbanos que se juntam para, bebâdos, celebrar o amor. Oh, quanta hipocrisia.

Sempre há amigos, é claro. Mas cada paulistano tem uma cota muito restrita de amigos, e uma cota imensa de conhecidos. Ainda mais distantes são os colegas de trabalho, que passam de 6 a 12 horas por dia juntos preocupando-se com os próprios umbigos corporativos e só olham para o lado para pedir um favor profissional. Pior ainda são os colegas de home-office: esses não têm corpo, cara ou voz, apenas e-mail. E muitos se confundem e pensam que os colegas e conhecidos são ou podem ser seus amigos. Oh, quanta hipocrisia.

Mais distantes são os desconhecidos: o atendente da padaria, o cobrador do ônibus, a moça que atendeu o telefone, o mendigo na porta do metrô. Pouco importa para o paulistano quem são essas pessoas, o que fazem, como são seus nomes, se estão tristes ou nervosas e se etc. Para muitos paulistanos essas pessoas desconhecidas fazem parte da paisagem, como fossem postes ou prédios que se movem, e não seres humanos. Pior ainda: há alguns desses habitantes de Sampa que não sentem nada quando cruzam a Ipiranga com a São João, a não ser profundo desgosto pelos moradores de rua que enfeiam a paisagem. Oh, quanta hipocrisia!

Pior ainda é que todo paulistano já passou por pelo menos algumas dessas situações, e passa todos os dias por novas situações semelhantes. O fator humano nos é indiferente. Trombamos no outro, não pedimos desculpas, e se pedimos, é sem olhar para quem, por pura educação. Condenamos com avidez o "moleque" que nos assalta, e nos esquecemos de quem é ele e por que está ali naquele barco furado conosco.

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A humanidade é definida como uma espécie de mamíferos bípedes com polegar opositor, neocortex desenvolvido e habilidades sociais e linguísticas. Esses foram os principais resultados do nosso processo evolutivo e, pelo que se sabe, desenvolvemos essas capacidades para poder sobreviver nos ambientes a que fomos expostos. Sem apenas uma dessas características, já não poderíamos ser chamados de seres humanos.

Eu diria que falta ao paulistano a capacidade de sociabilização, de interação com o outro, o que só torna mais difícil sobreviver a são Paulo. Desse ponto de vista, seriam os paulistanos seres humanos?

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