terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Panorâmica

Sair de São Paulo não é só pegar a estrada pra outro lugar: São Paulo tem que ficar pra trás, sair de você. Não levar a metrópole na bagagem, renunciar sua origem fedida e cinza, isso sim é sair da cidade. As pessoas têm uma certa dificuldade, até compreensível, com isso. Chegam na cidadezinha e perguntam se "tem UaiFai no seu Aifone", levam o mp3 player com um fone de ouvido desse tamanho, tiram fotos e querem postar na mesma hora, não se livram dos velhos e carcomidos hábitos. Aí eu me pergunto: pra quê serve ir tão longe se você continua virtualmente em Sampa?

Eu não tenho fotos do meu ano novo pra postar no feice, mas se eu fechar os olhos lembro das coisas.

Lembro de sentar no pier e sentir cheiro de peixe que acabou de chegar com o barco e as mulheres se põe a limpar. Depois o cheiro da comida boa sai pela porta se insinuando pelo ar e dá vontade de pedir logo o almoço – foi assim que aprendi a comer camarão, marisco, caranguejo. Pelo cheiro o cachorro boboca encontra a gente e vem brincar. Pelo cheiro a gente se reconhece no escuro.

Lembro de ficar deitada embaixo da árvore, olhos fechados e ouvidos abertos pra uma conversa boa, pro som das crianças brincando no canal e espalhando água, os afinados passarinhos, latidos de cachorro, violão de turista tocando samba, o mar no fundo de tudo, que nunca para de cantar. Lembro de ouvir as conversas dos outros e prestar atenção na vida deles, saber o que acontece sem ter que perguntar. E de fazer pouco barulho para não incomodar o silêncio. Entendi que ouvir de verdade ajuda a tornar as pessoas à nossa volta visíveis e nos aproxima do lugar em que estamos.

Lembro de olhar por muito tempo o pôr do sol, em silêncioOs olhos, mesmo já cansados, não se fartam com o tanto de tanto horizonte que tem pra tocar. A gente ali, o pôr do sol na nossa frente, a companhia boa, o barulho do mar, o cheiro da chuva que vem vindo – não precisa falar nada, dizer qualquer coisa é uma redundância enorme... Por que é claro que a gente está gostando, é claro que a gente quer que aquilo dure pra sempre, mesmo sentindo as porvinhas judiarem da pele em mil picadas.

Aí o sol se põe de vez, as porvinhas judiam sem dó e a gente desiste de ficar na praia pra sempre. A noite está sem lua, a chuva chega rapidinho e a gente tem que voltar no escuro, adivinhando as formas, farejando, escutando. E a gente volta assim até São Paulo – só porque precisava mesmo –, mas traz um pouco de lá com a gente. Até a coceira das porvinhas continua judiando aqui na Ipiranga com a São João.

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